segunda-feira, 19 de abril de 2010

O senso comunitário água abaixo...



O que vi  em Niterói (Morro do Bumba), no Rio de Janeiro e nas outras cidades brasileiras cujas periferias foram devastadas pela chuva, resultando em centenas de mortos, é um tapa na minha cara pálida, que a tudo observa de uma bolha de conforto.

Aqui, no Brasil de 2010, não foi um grande terremoto que nos trouxe a tragédia: foi a chuva. Forte e implacável, foi a chuva que revolveu a terra e expôs, de novo, as mazelas de nossos péssimos governos, de nossa precária urbanização (e urbanidade), de nosso descaso com a comunidade... De meu próprio descaso.

Mestre Tzen disse para eu não me impressionar: se as grandes redes de televisão mostram, prioritariamente,  o Rio de Janeiro, é natural que a estética e o ponto de vista carioca (mais que o fluminense até) sejam predominantes e nos afetem. Para ele, somos diferentes do Rio de Janeiro. Mas eu não acredito nisso: para mim, o Rio de Janeiro, de certa maneira, apenas antecipa o que, inevitavelmente, acaba chegando até as outras cidades do país: as favelas, a violência, a dengue.

Diariamente, venho ignorando meu senso de comunidade - agora eu compreendo isso - porque eu me permiti alienar, em troca de conforto emocional. Sim, porque é incômodo pensar que nossos jovens saem semi-analfabetos das escolas; e também é incômodo saber a gama de possíveis futuros brilhantes que escapam de suas mãos. E não é bom saber que, sem uma formação que os possibilite exercer plenamente sua cidadania, continuarão sendo alvo de políticas paliativas e oportunistas. Favelas urbanas se expandem. No Brasil, favelas mentais, também.

É numa zona de favelas mentais que me encontro agora: não uso meu conhecimento para nada que possa nos redimir enquanto comunidade. Pelo contrário, sou parte do problema: sou mera observadora da realidade, sem interferir nela, e, embora tente não atrapalhar demais, é certo que não sirvo de ajuda.

Porém, essa minha atitude, parece-me agora, não é suficiente quando se trata de um país tão desigual quanto este. Não temos ainda um grau de civilidade avançado que nos permita a todos exercer nossa individualidade com plenitude (por exemplo, viver apenas respeitando os direitos dos demais). Ainda não.

Acho que nosso momento histórico exige um movimento e uma intervenção maiores para além da fronteira de nossa bolha de conforto:  a favelização de nosso povo não me parece estar em processo de reversão. Antes, acho até que a ignorância e a brutalidade se instalaram definitivamente entre nós, com a conivência dos favelados mentais.

Tenho um gosto amargo na boca porque não sei exatamente o que fazer a partir deste momento de lucidez.

Era tão mais fácil lidar com a tragédia quando ela não era tão vizinha. O que fazer quando o senso de comunidade exige de mim mais que uma prece, mais que um tostão de esmola?

Como tocar minha vidinha enquanto nossa comunidade afunda na enxurada brutal da ignorância?
  
No rádio, a música do Chico Science & Nação Zumbi:

Da lama ao caos, do caos à lama

Um homem roubado nunca se engana

Da lama ao caos, do caos à lama

Um homem roubado nunca se engana


http://www.youtube.com/watch?v=bjRhU5owRV0 

What I saw in Niterói (Morro do Bumba), in Rio de Janeiro and other Brazilian cities whose neighborhoods have been devastated by storm, resulting in hundreds of dead is a slap in my pale face, that looks at it all from a bubble of comfort.

At 2010, here in Brazil, it was not an earthquake that brought us the tragedy: it was the rain. Strong and ruthless, it was the rain that revolved the ground and showed, once more, the terrible neglect of our governments, our precarious urbanization (and also urbanity), our neglect to the community... showed my own carelessness.

Tzen master told me not to be too impressed about it: for him, if the major television networks shows, primarily, Rio de Janeiro, it is natural to its aesthetic and point of view spread to be  prevalent and to affect us all over the country. For him, we're simply different from Rio de Janeiro. But I do not believe that: for me, Rio de Janeiro, in a certain way, only anticipates what inevitably ends up coming to the rest of us (the slums, the violence, dengue).

Daily, I've ignored my sense of community - now I understand it - because I allowed it to myself, in exchange for emotional comfort. Yes, because it is uncomfortable to think that our young people leave school semi-illiterate, and is also uncomfortable to know the range of possible bright future passing by them. And it's not nice to know that without an education that enables them to fully exercise their citizenship, our youth will continue to be easily target by palliative and opportunistic policies. Urban slums are expanding. In Brazil, mental slums are expanding too.

It is an area of mind slums that I am now: I do not use my knowledge to anything that might redeem us as a community. Rather, I am part of the problem: I am a mere observer of reality, without interfering in it, and although I've tried not to disturb others, I'm certainly not a helping.

However, that attitude of mine - I think now -  is not enough when it comes to a country as unequal as this. We do not have an advanced degree of civility that allow us to fully exercise our individuality (for instance, living only respecting the rights of others). Not yet.

I think the that this historical moment requires a movement and a larger intervention beyond the border of our bubble of comfort: the slums do not seem to be in the process of reversal. I even think that ignorance and brutality definitely settled between us, with the connivance of mental slum dwellers.

I have a bitter taste in my mouth because I do not know exactly what to do from this moment of lucidity.

It was so easier to deal with the tragedy when it was not so nearby. What to do when the sense of community requires more than a pray or a penny to charity?

How to play my little life while our community is sunk in a brutal mud of ignorance?

At the radio, I hear the music of Chico Science & Nação Zumbi (poorly translated):
 
From mud to chaos, from chaos to the mud

A robbed man is never wrong

From mud to chaos, from chaos to the mud

A robbed man is never wrong

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